Boas Festas

Isabel Cerruti, anarquista brasileira, escreve no dia 26 de dezembro de 1933 o artigo “Boas Festas”, sendo publicado apenas ao dia 30 de dezembro daquele mesmo ano, pelo jornal anarquista "A Plebe". Cerruti contribuiu com o jornal "A Plebe" durante quase todo o seu período de existência (durante as duas fases); também contribuiu para a formação do Centro Informativo Feminino e da Liga Feminina Internacional e nos sindicatos e organizações de ramos: costureira.

“Resido no centro da cidade . E quem reside no centro da cidade, mais do que quem reside nos bairros, é quem vê em abundância a dolorosa miséria dos deserdados de tudo na sociedade presente.


Como não havia nada a fazer, estive à janela a tarde do dia de Natal. Via passar crianças alegres, cada qual exibindo os presentes de papai Noel… E outras, quiçá, cujos pais fizeram esforços satisfatórios para presentearem os filhinhos diletos, e vê-los sorrir ditosos ao menos uma vez por ano, nesta data alvissareira, crentes de que “Nem só de pão vive o homem…“.


E é bem certo esse adágio. Como o nosso coração idealista se expande na solidariedade dessa felicidade infantil! Pois bem nos lembramos, também, de quando éramos pequeninos e essa a lembrança somos gratos aos nossos queridos pais quando nos faziam felizes presenteando-nos com um brinquedinho…


Da minha janela, criei esses pensamentos. Além de crianças e pessoas felizes, eu vi passar também velhos maltrapilhos e crianças imundas. Dessas as quais o Papai Noel nunca se lembra. Pobres infelizes deserdados de tudo…


Duma casa, vizinha à minha, feliz, onde a criançada folgava à roda da espalhafatosa árvore de Natal, gozando os mais lindos e custosos presentes e saboreando as mais apetitosas guloseimas, saiu correndo para a rua, a ganhar um pouco de liberdade, aproveitando- se da distração de todos, um lindo cachorrinho Lulu trazendo à boca uma grande fatia de bolo de Natal. Mas, por sinal, o animalzinho de segurança já estava farto demais, pois apenas chegou no passeio, largou no chão a fatia de bolo, apenas mordido numa pontinha.


Pensei comigo a mesma: ’Quantos lares sem pão e quantas crianças hoje que se sentirão felizes com essa fatia de bolo que esse ser irracional bem tratado desprezou no meio da rua.“


Nem bem concluí meu pensamento e vejo vir dois garotos de uns sete a oito anos, um, e de dez a doze anos, outro, trazendo ambos à tiracolo a caixinha de engraxates, sujos, maltrapilhos e mal nutridos.


Ao avistarem a fatia de bolo atirado ao solo, atiraram-se ao mesmo tempo avidamente disputando-o. Afinal, de bom acordo, resolveram reparti-lo e lá se foram o caminho juntos os dois, alegres pelo achado, comendo sofregamente aquela fatia de bolo amarelinho e sedutora, que o cãozinho havia largado no chão, farto de alimento e gulodices.


À vista dessas coisas, conjecturei comigo mesma: ‘Para que servem a “Cruzada pró-Infância”, a “Liga das Senhoras Católicas” e outras Instituições quejandas que se propõem, todas, a proteger a infância e o defender-lhe o direito?’


Qual! O problema da miséria é insolúvel dentro da Sociedade Burguesa. Só mesmo quando os miseráveis ​​se decidirem fazer justiça por suas mãos, estabelecendo o direito de todos trabalhar e gozar à farta o produto de todo trabalho - teto, alimento e roupa – do bom e do melhor para todos, é que a Infância será de fato garantida em seus direitos: Instrução, Alimentação, Folguedos, Gulodices e Brinquedos para todas, sem distinção.“


ISA RUTI

S. Paulo, dezembro, 1933




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